Por Rozangela Alves Justino (set/05)
"... em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições,
pela oração e pela súplica, com ações de graças" (Filipenses 4:7)
I - APRESENTAÇÃO:
Este trabalho representa o resultado dos estudos realizados por Rozangela Justino e Sylvanyr Castro, na PUC-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, para a disciplina: Introdução ao Debate e aos Estudos sobre Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes, ministrado pela professora Irene Rizzini e sua assistente Carla Sartor sobre a violência e suas manifestações na vida das pessoas, especialmente, as violências sofridas na infância e/ou adolescência. Esta síntese sofreu acréscimos teóricos e outros feitos por Rozangela Alves Justino que não constam do trabalho original.
Elaboramos um instrumento de pesquisa, onde nos baseamos no ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), como também em conceitos e definições de diversos autores como Cukier, Fahlberg, Furniss, López, Fuertes, Zwahlen, Rizzini, Assis, Aguiar, Marques, Morgado, Buvinic, Morrison, Shifter, Larraín, Constantino, Hirigoyen, Allender, Silva, outros pesquisadores e estudiosos do tema e instituições como ABRAPIA-Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência, FIA-Fundação para a Infância e Adolescência, SBP–Sociedade Brasileira de Pediatria, CLAVES-Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Carelli, ENSP-Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, Ministério da Justiça, além da nossa experiência em clínica psicológica e instituições de atendimento às pessoas vítimas de violências diversas.
189 pessoas de 18 a 72 anos (média de idade = 32/33 anos) responderam ao instrumento de pesquisa em 30 dias, iniciados no dia 22 de junho de 2002:
Gênero: masculino = 75; feminino=113; 1 indefinido;
Escolaridade: 1 não mencionou o grau de escolaridade; 8 não estudaram; 23 ensino fundamental incompleto; 12 ensino fundamental; 37 ensino médio incompleto; 44 ensino médio; 27 superior incompleto; 29 superior; 5 pós-graduação; 3 mestrado;
Religião: 76 evangélicas; 73 católicas; 2 cristãos; 14 espíritas; 1 acredita em Deus; 1 universalista; 1 testemunha de Jeová; 21 não professam qualquer religião.
Estado Civil: 54 casadas; 114 solteiras; 8 viúvas; 9 separadas; 1 divorciada; 3 não colocaram o estado civil.
Filhos: 73 têm filhos; 116 não têm.
O universo pesquisado foi o de profissionais das áreas de saúde e humanas; universitários; estudantes do ensino médio de colégio público estadual; comunidades rurais; baixada fluminense; pessoas que vivenciam ou vivenciaram a homossexualidade; ex dependentes/dependentes químicos que estão em instituição de atendimento e pessoas de origens diversas.
A proposta era verificar:
1) Se as pessoas costumam sofrer violência(s) na infância e/ou adolescência;
2) As violências predominantes, conforme o gênero masculino ou feminino;
3) A faixa etária em que as violências foram mais freqüentes;
4) Se estas violências foram sofridas no lar ou fora dele;
5) Os sentimentos aflorados diante das situações de violência;
6) As promessas que as pessoas fizeram para a vida adulta após terem sofrido as violências;
7) Se as violências sofridas lhes trouxeram dificuldades na vida adulta;
8) Se receberam algum tipo de apoio/ajuda para superarem as suas dificuldades e quais foram;
9) Se estas violências se repetiram nas relações com outras pessoas de forma a serem revitimadas na vida adulta ou tornarem-se autoras das mesmas ou outras violências que sofreram.
II - VIOLÊNCIA SOCIAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
Partindo do conceito de sociedade como a reunião de homens, que vivem em grupos organizados e sujeitos às mesmas leis, sempre que uma lei é desrespeitada o homem está cometendo uma violência contra a sociedade em que ele vive, pois a violência é um desrespeito aos limites estabelecidos por esta sociedade sob a forma de constrangimento físico, psíquico ou moral exercido sobre alguém ou sob a própria sociedade.
As normas sociais podem ser reformuladas de acordo com o momento histórico e cultural de um povo. Quem avalia se o comportamento é violento ou não precisa se despir dos conceitos e valores pessoais, para levar em conta a percepção individual das pessoas envolvidas, o seu histórico, os seus conceitos e valores, a cultura em que vive, além do momento sócio-político em que a sociedade se encontra. Por estas razões, é complexo avaliar se o comportamento foi ou não violento.
As várias sociedades e países da América Latina não concordam quanto à maneira de definir a ‘violência’. As diferenças ainda são maiores quando se trata de definir ‘violência doméstica’. A principal dificuldade é que a tolerância e a aceitação da violência variam de uma para a outra. Assim, é muito difícil estabelecer uma definição comum e universalmente aceita de violência doméstica. As definições existentes discordam quanto ao comportamento e às manifestações consideradas violentas. Algumas incluem apenas a violência física, enquanto outras levam em conta a agressão psicológica e a negligência grave. Algumas consideram que um único episódio é suficiente para a violência existir, enquanto outras acham que o comportamento tem de ser repetido. (LARRAIN in MORRISON e BIEHL. 2000: 113)
Segundo Rosana Morgado, em sua Tese de Doutorado: Abuso Sexual Incestuoso: seu enfrentamento pela mulher/mãe. PUC-SP, 2001, cap. 2 p. 85-115, a família é uma instituição social atravessada por relações de poder e dominação, porém, no imaginário social, a família é considerada um espaço de socialização pelo afeto, respeito aos indivíduos e união pelo amor. A Igreja, a medicina, o direito, a psicologia e a formulação sociológica funcionalista foram os seguimentos sociais que sustentaram e difundiram este modelo de família ao longo do Séc. XX.
Inúmeras pesquisas têm demonstrado que o lar é um espaço de extremo risco para crianças e adolescentes, em todas as classes sociais e nas mais diferentes sociedades. A família, longe de ser o espaço de exercício de amor e respeito entre seus membros, destaca-se como o locus de graves agressões, que continuam sendo mantidos, sob o mais forte sigilo. (MORGADO, 2001: 99)
Morgado cita diversos autores que respaldam as suas afirmações:
Giffin faz suas as palavras de Prado & Oliveira (1982), [A família] “é agora definida como um terreno privilegiado para o aprendizado de normas, valores e técnicas de violência”. Prossegue, citando Moreira et al. (1992): “assim considerada, a violência (doméstica) insere-se no plano da ordem, não é desvio” (GIFFIN, 1994:150, in MORGADO, 2001: 100)
Observam Saffioti e Almeida que: “o domicílio constitui um lugar extremamente violento para as mulheres e crianças de ambos os sexos, especialmente as meninas”. (SAFFIOTI e ALMEIDA, 1995: 33, in MORGADO, 2001: 99)
No Rio de Janeiro, em 1991, os boletins da polícia civil demonstraram que “67% dos homicídios praticados contra crianças (zero a onze anos) foram perpetrados na própria família”. (apud, SOARES, 1999:24, in MORGADO, 2001: 100)
Quanto à violência sexual, estudo realizado no ABC paulista, registrou-se que “90% das gestações em jovens com até 14 anos foram fruto de incesto [abuso sexual incestuoso], sendo o autor, na sua maioria, pai, tio ou padrasto”. (SEIXAS, 1999:118, in MORGADO, 2001: 99)
“(...) o ambiente familiar é, com maior freqüência do que seria desejável, um ambiente factível de expressão da violência e como tal deve ser encarado”. (ASSIS, 1994:45, in MORGADO, 2001:100)
Segal (1989) afirma que: “longe de ser uma proteção para as mulheres, a família nuclear burguesa tradicional tem sido um lugar onde a prevalência de abuso de crianças, violência doméstica, e estupro é sistematicamente ocultada e negada”. (apud, GIFFIN, 1994:150, in MORGADO, 2001:100)
Ferenczi, em 1932: “mesmo crianças que pertencem a famílias honradas e de tradições puritanas, com mais freqüência do que ousaríamos supor, são vítimas de violências e estupros (...)”. (apud, LAMOUR, 1997: 46, in MORGADO, 2001:100)
Morgado chama a atenção para o fato de que é preciso problematizar o atual modelo dominante de família e as suas relações afastando-se do simplismo de caracterizar como desajustadas ou desestruturadas, aquelas famílias em que a violência doméstica tem lugar, pois “(...) ao culpabilizar indivíduos ou patologizar o fenômeno, estamos reduzindo um problema de ordem pública à esfera do individual, negando o quanto os sujeitos se constituem e são constituídos nas e pelas relações sociais”. (MORGADO, 2001: 99)
Saffioti também compartilha desta mesma posição dizendo que “(...) é necessário que passemos a ver a dor pessoal, a mágoa e a cicatrização de cada criança, como um assunto não de caráter privado, mas social”. (SAFFIOTI, 1989: 88, in MORGADO, 2001: 99)
Victória Fahlberg faz afirmações semelhantes: “A sociedade promove a violência quando a violência é usada como um meio para resolver problemas sociais”. (FAHLBERG, 1996:24)
Numa matéria da Revista Superinteressante-especial, Ed. Abril/2002, p.9 encontramos as seguintes afirmações:
“O Brasil é considerado um dos países mais violentos da América Latina, que é a região mais violenta do globo terrestre”. ( ...)
Em uma pesquisa da ONU, realizada com dados de 1977,
(...) o Brasil ficou com o preocupante terceiro lugar entre os países com as maiores taxas de assassinato por habitante. Na quantidade de roubos, somos o quinto colocado. (...) Na cidade de São Paulo, em 2001, o assassinato foi, pela primeira vez, a principal causa de mortes de mulheres,( ...).
Sem contar as vidas perdidas, o crime custa ao Brasil mais de 100 bilhões de reais” (REVISTA SUPERINTERESSANTE. 2002: 9).
Continua Fahlberg: “A exploração é um mal profundamente enraizado na cultura do Brasil desde o período colonial. Todos são atingidos pela exploração embora os fracos, que incluem os velhos, as crianças, os pobres, os negros e as mulheres, sejam os grupos mais fortemente atingidos”. (FAHLBERG, 1996:25)
“Quando uma sociedade cria um sistema político que deixa o seu povo com um senso de impotência, esse mesmo povo impotente tentará compensar por seu desamparo dominando alguém mais fraco que ele próprio, tendo como resultado o domínio de crianças”. (FAHLBERG, 1996: 26).
É como um slogan de um cartaz da ABRAPIA em conjunto com a FIA que diz: “... Pais apanham da vida e filhos apanham dos pais!”
Longe de ser uma prioridade das políticas sociais públicas já está havendo uma crescente preocupação com a violência doméstica/violência social enquanto uma preocupação pública:
“A violência política e social tem sido um fator permanente nos países da América Latina e do Caribe. Só na última geração, no entanto, é que a violência contra as mulheres tornou-se uma preocupação pública”. (LARRAIN in MORRISON e BIEHL. 2000: 113)
III - A ELABORAÇÃO DO INSTRUMENTO PARA A PRÉ-PESQUISA
Utilizamos o termo “pré-pesquisa” porque desejávamos avaliar o instrumento que criamos e experimentá-lo para ver a sua funcionalidade.
Relacionamos no instrumento os itens, abaixo, das possíveis violências que uma pessoa poderá sofrer na infância/adolescência. Alguns conceitos abaixo foram acrescentados aqui e não constam do instrumento original.
NEGLIGÊNCIAS:
A) Negligência.
Não recebeu alimento, abrigo, não foi conduzido à escola em idade apropriada, não recebeu atendimento médico e socorro em caso de acidente quando necessitou, etc.
B) Abandono.
Foi deixado desamparado, desprezado, esquecido, largado em algum lugar.
C) Criação diferente da cultura/costumes do país ou lugar em que nasceu.
Era vestido(a) e tratado(a) como pessoa do sexo oposto ao que nasceu, de forma diferente dos costumes e cultura do lugar em que vivia; acredita que a criação recebida favoreceu a discriminação social/sexual com relação a sua pessoa.
D) Trabalho.
Foi obrigado(a) a trabalhar na infância (até 12 anos de idade) e/ou na adolescência realizando tarefas que ultrapassavam a sua condição de aprendiz e/ou em horário noturno e local perigoso, insalubre ou penoso, prejudiciais a sua formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, impedindo-o(a) de estudar.
VIOLÊNCIAS FÍSICAS:
E) Agressão física.
Recebeu tapa, empurrão, sufocação, chute, espancamento, entorse nos braços, queimadura proposital, cárcere privado e lesão provocada por instrumento contundente ou perfurante.
VIOLÊNCIAS PSICOLÓGICAS:
F) Agressão verbal.
Foi chamado por palavrão, xingamento, que o(a) desagradou ou se sentiu agredido(a) emocionalmente.
G) Opressão emocional.
Foi manipulado(a), submetido(a) a ameaças e gritos como meios predominantes de resolver conflitos, torturado(a), comparado(a) com outras crianças ou adolescentes; teve seus pertences pessoais destruídos.
H) Opressão espiritual.
Foi manipulado(a) usando o nome de Deus, Jesus ou ameaça de inferno.
I) Discriminação.
Sofreu chacotas ou recebeu apelidos em razão de sua cor, etnia, estatura, peso, condição financeira, religião, sexo, orientação sexual, fragilidades, etc.
J) Presenciar cenas de violência.
Presenciou uma ou mais cenas das violências citadas ou outras; assistia a cenas de violência na TV, jornal, internet, jogos eletrônicos, etc.
VIOLÊNCIA SOCIAL - FÍSICA/PSICOLÓGICA
K) Foi assaltado, roubado ou viu alguém ser assassinado, roubado ou assaltado.
SÍNDROME DE MUNCHAUSEN TRANSFERIDA OU POR PROCURAÇÃO
L) Foi levado(a) ao médico com sintomas que foram simulados ou induzidos pela pessoa que o levou ao médico, fazendo com que você fosse submetido a tratamento médico desnecessário e potencialmente causador de um mal.
Sintetizando: Alguém produziu sintomas físicos em você, intencionalmente? Foi envenenado, tomou injeção desnecessária, foi forçado(a) a ingerir fezes, sufocado e revitalizado, etc?
VIOLÊNCIAS SEXUAIS:
M) Exploração Sexual.
Foi estimulado ou obrigado a ter relações sexuais ou a gratificar sexualmente a uma pessoa adulta, brasileira ou estrangeira, com o intuito de obter algum ganho financeiro/ou para dar o dinheiro para algum adulto ou ao seu responsável; foi enviado para outra cidade ou país com esta(s) finalidade(s).
N) Assédio Sexual.
Foi pressionado por outra pessoa com o fito de impor-lhe relações sexuais que não desejava.
As mais conhecidas são os assédios no ambiente de trabalho, servindo-se o patrão, chefe, encarregado ou o colega das relações de poder que têm sobre as trabalhadoras (es).
A relação professor-aluno também é usada com alguma freqüência como pressão mais ou menos explícita para obter favores sexuais.
Os autores nunca são denunciados em função do medo de perder o emprego; pela crença de não obter provas e a vergonha, além dos sentimentos de culpa.
O) Violação Sexual.
Foi obrigado a ter relações sexuais com penetração vaginal/anal sem mútuo consentimento – com a utilização da força e intimidação quando ainda tinha 12 anos ou não possuía o uso da razão.
O coito anal e oral, bem como outras formas de comportamento sexual vexatórias estão sendo tratadas como violação somente agora, por alguns juízes e algumas legislações.
A violação é sempre acompanhada de um ato de violência física ou psíquica que impede a liberdade do outro, obrigando-o a praticar comportamentos sexuais que não deseja. Força a intimidade do outro, e a violação adquire um significado social e pessoal adicional, o que acrescenta aos danos físicos sofrimentos psicológicos.
P) Atentado Violento ao pudor.
Foi constrangido(a) a praticar atos libidinosos, sem penetração vaginal/anal, utilizando violência ou grave ameaça. Se em crianças e adolescentes de até 14 anos, a violência é presumida como estupro.
Q) Abuso sexual.
1) Foi conduzido(a) por algum adulto, ou pessoa mais forte que você, ou cinco anos mais velho(a):
Através de manipulação ou oferta de recompensas, presentes, carinho, afeto, privilégios, etc; e/ou
Foi obrigado(a) através de ameaças físicas ou verbais a:
• Despir-se, parcial ou totalmente;
• Deixar tocar em seus órgãos genitais (pênis, vulva);
• Masturbar-se, ou participar com a pessoa em masturbação;
• Contemplar a nudez total ou parcial da pessoa;
• Participar de ato sexual normal, oral ou anal;
• Assistir a filme, ver revista, foto ou internet no qual se mostre cenas de sexo explícito entre pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto, envolvendo objetos, animais, ou qualquer outro elemento estranho;
• Ser protagonista de filme ou foto pornográfica, na companhia de outra criança, adolescente, adulto, animal ou fazendo uso de objetos ou outro elemento estranho;
• Participar de conversas abertas sobre sexo para despertar o interesse sexual ou chocar;
• Receber telefonemas obscenos;
• Incluir no abuso sexual flagelação, tortura e surras;
• Ver pornografia para estimular a curiosidade e/ou mostrar como o autor deseja que seja praticado o sexo.
2) Alguns autores também consideram abuso sexual:
• Foi intimidado(a) sexualmente através de situações criadas em que viu, ouviu coisas que não quis, não pode entender e que o(a) envergonhou, como, por ex, ouviu ou observou as relações sexuais dos pais “por um descuido”;
• Foi considerado por sua mãe/madrasta mais importante que o seu pai/ padrasto; foi considerada por seu pai/padrasto mais importante que a sua mãe/madrasta - sentia-se como “marido da mãe/madrasta ou esposa do pai/padrasto e não como filho(a), enteado(a)”;
• Seu pai/mãe ou padrasto/madrasta deixava clara a admiração pelo seu corpo e que adorariam ter outra idade para namorá-lo ou se casar com você, comparando-o(a) dizendo que era melhor, mais esperto(a), bonito(a) e capaz que o próprio cônjuge;
• Alguém lhe dava banhos quando já era grande o suficiente para realizar a sua higiene corporal sozinho(a), como, por ex, seu(ua) responsável dava-lhe banho aos 10 anos e/ou secava a sua parte genital para “evitar assaduras”;
• Não recebeu informação sexual adequada a sua idade:
1) Era menina e não lhe foi falado que iria menstruar; foi-lhe dito que a masturbação causa lesões físicas; que o beijo poderia engravidar, etc;
2) Recebeu informações excessivas para a sua idade - coisas que ainda não estava preparado(a) e não podia compreender por ser muito pequeno(a), como, por ex, foi-lhe explicado os pormenores de uma relação sexual, o que lhe deixou confuso(a), assustado(a), etc;
• Era pequeno(a) e não sabia quando o adulto tinha a intenção sexual, mas pode perceber algo estranho no ar que lhe fez se sentir envergonhado(a), lesado(a) em sua auto-estima, levando-o(a) a imaginar conseqüências terríveis para o seu futuro, passando a se sentir fadado(a) a um destino trágico.
BULLYING:
R) Foi abordado por atos agressivos, repetidos contra você quando ainda não tinha como se defender, tais como: atos físicos, verbais, diretos ou indiretos (e-mail, celular, exclusão, deboches e ridicularizações de forma indireta, etc. Forma mais comum: colocar nomes e apelidos.
Você já sofreu o Bullying na: escola, no play, vizinhança, corredores, banheiros da escola, na sala de aula, na universidade, nos estabelecimentos de formação de militares, igreja ou instituição religiosa, trabalho.
Você sofria calado ou não tinha a quem recorrer ou quem pudesse lhe oferecer ajuda, defendendo-o ou as tentativas de defesa não foram suficientes para ajudá-lo e continuava a sofrer o bullying.
IV - PROMESSAS QUE FIZERAM PARA A VIDA ADULTA APÓS TEREM SOFRIDO A VIOLÊNCIA.
Também desejávamos saber quais foram as promessas que as pessoas fizeram após terem sofrido a(s) violência(s).
“...quando uma criança percebe que um adulto está sendo injusto ou abusivo, sente raiva, mas nada pode fazer a não ser se submeter. Tal submissão forçada gera, por sua vez, sentimentos de vergonha, humilhação e inferioridade que jamais serão esquecidos, apesar de todos os esforços que fizer para negá-los, disfarçá-los e/ou modificá-los.
Nesses momentos de tensão a criança decide algo secreto, como se fosse uma espécie de juramento consigo mesma, e que consiste basicamente num pacto de vingança e ou resgate da dignidade perdida. Algo como: ‘Quando eu crescer e tiver o poder físico que os adultos têm, nunca mais vou permitir que façam isso comigo ou com as pessoas que amo’.
Em suma, por trás das dificuldades dos meus clientes adultos, comecei a perceber a existência quase sistemática de uma criança com seus projetos de vingança e resgate da dignidade perdida, e que, exatamente pela perseverança do projeto infantil, acabava criando as dificuldades adultas atuais” (CUKIER, 1998:24).
V - RESULTADOS PRELIMINARES CONFORME A PROPOSTA:
1) As pessoas costumam sofrer violências na infância e/ou adolescência, independente de gênero, grau de instrução, religião;
2) As principais violências relatadas por todas as pessoas foram: agressão verbal, discriminação, agressão física, abuso sexual e presenciar cenas de violências.
As violências predominantes de acordo com os grupos pesquisados foram:
a) Profissionais:
- Gênero masculino: presenciar cenas de violência;
- Gênero feminino: abuso sexual.
b) Universitários:
- Gênero masculino: Foi assaltado, roubado ou viu alguém ser assassinado, assaltado ou roubado / agressão física;
- Gênero feminino: Agressão verbal / discriminação.
c) Estudantes de Ensino Médio:
- Gênero masculino: não teve representante do sexo masculino neste grupo;
- Gênero feminino: agressão verbal.
d) Comunidades Rurais:
- Gênero masculino: agressão verbal;
- Gênero feminino: abuso sexual.
e) Baixada Fluminense:
- Gênero masculino: agressão verbal;
- Gênero feminino: agressão física.
f) Pessoas que vivenciam/vivenciaram a homossexualidade:
- Gênero masculino: agressão verbal / abuso sexual;
- Gênero feminino: agressão verbal / discriminação / abuso sexual.
g) Dependentes químicos/ex dependentes químicos:
- Gênero masculino: agressão verbal;
- Gênero feminino: agressão verbal.
h) Origens diversas:
- Gênero masculino: agressão verbal;
- Gênero feminino: discriminação.
3) Recordam-se de terem sofrido violências, principalmente, no final da infância para o início da adolescência;
4) Os principais autores citados foram as pessoas da família e/ou ligadas afetivamente a elas, tais como, amigos, colegas, e outros;
5) Os sentimentos que mais afloraram nestas situações foram: raiva/ódio, medo, vergonha e em situações de abuso sexual/gênero masculino: alegria, prazer, satisfação;
6) Muitas relataram as promessas que fizeram para a vida adulta e estas sugerem relação com o comportamento atual destas pessoas;
7) Diversas pessoas correlacionaram as suas dificuldades atuais com as violências sofridas; várias declararam a superação das dificuldades devido às violências que sofreram; a maioria parece viver sem muita consciência das violências que sofreram, embora as tenham relatado;
8) As pessoas procuram apoio/ajuda, primeiramente, entre amigos e familiares; muitas tentaram superar sozinhas, com o tempo – poucas procuram ajuda profissional e foram escassas as citações de contarem com a ajuda das instituições religiosas as quais pertencem;
9) Muitas declararam perceber a repetição das violências nas relações com outras pessoas de forma a serem revitimadas ou tornando-se autoras das mesmas ou outras violências que sofreram; algumas declararam que as violências sofridas serviram de motivação para ajudar pessoas que sofrem violências.
VI - OUTRAS CONSIDERAÇÕES:
Propomo-nos a introduzir estudos sobre este tema e concluímos que para cada violência que pesquisamos muito se tem a estudar, principalmente, quanto à reação das pessoas às violências que sofreram.
Poucos correlacionaram as suas vivências passadas com as atuais, com exceção daquelas que sofreram abuso sexual. Parece que este tipo de violência é o que mais marca as pessoas em suas vidas adultas.
Pessoas que tiveram que trabalhar na infância em detrimento dos seus estudos, por exemplo, não demonstraram consciência de terem sofrido violência estrutural (político/social). O mesmo aconteceu com os jovens universitários quanto às violências sofridas através da mídia – muitos questionaram se assistir a cenas de violência era violência, pois já se tornou algo natural na vida deles - ainda carecemos de maiores estudos nestas áreas.
Pode ser também que as pessoas que não fizeram tais correlações estejam enquadradas nas observações abaixo, retiradas do livro “Assédio Moral”:
Pequenos Atos Perversos são tão corriqueiros que parecem normais. Começam com uma simples falta de respeito, uma mentira ou manipulação. Não achamos isso insuportável, a menos que sejamos diretamente atingidos. Se o grupo social em que tais condutas aparecem não se manifesta, elas se transformam progressivamente em condutas perversas ostensivas, que têm conseqüências graves sobre a saúde psicológica das vítimas. Não tendo certeza de serem compreendidas, estas se calam e sofrem em silêncio. (HIRIGOYEN, 2002:19)
As pessoas tanto do gênero feminino quanto as do gênero masculino mencionaram a agressão verbal como a mais sofrida por eles. Parece que tudo começa com o abuso verbal e depois ocorrem as outras violências.
Quando às pessoas que nos procuram, em nossos consultórios ou instituições, chegam com os sintomas - uma sensação de mal estar, angústia, ansiedade, depressão e muitas não correlacionam estas sensações, estes sintomas, com as suas vivências atuais e nem passadas. No decorrer da psicoterapia elas vão conseguindo estabelecer as correlações e compreendendo melhor os seus sentimentos e, aos poucos, vão encontrando alívio e uma forma mais adequada de lidar tanto com os seus sentimentos, quanto com as situações com que se deparam, no seu dia-a-dia, para viverem uma vida melhor.
Quanto ao item referente ao apoio/ajuda, verificamos respostas diversas. Muitas responderam não ter recebido nem procurado qualquer apoio; algumas citaram a procura da ajuda de literaturas e muito menos procuram a ajuda profissional e/ou de algum líder religioso; a maioria busca os familiares e amigos.
O interessante é que as pessoas, normalmente, são apoiadas pela sua família e, em segundo lugar, pelos amigos, ou seja, aquelas mais achegadas a elas. Mas, são, justamente, estas pessoas, que mais parecem lhes violentar, especialmente, as da família. No entanto, é com a família que elas podem contar, assim como os amigos e é a própria família quem lhes fazem sofrer, assim como os amigos e colegas.
Quanto à repetição dos abusos na vida adulta, como já mencionamos no próprio instrumento, muitas pessoas se tornam autoras dos abusos que sofreram, mas com outras acontece o que é mencionado no livro “Lágrimas Secretas”:
A tragédia do abuso se apresenta de diversos modos, mas uma característica que se repete em muitos casos é que as vítimas do abuso, freqüentemente se vêem repetindo padrões e iniciando relacionamentos em que passam por violações semelhantes ao abuso sofrido no passado. A nova ofensas apenas intensifica a decisão de se refugiar em suas próprias fontes de força e defesa. A conseqüência é a perda e tristeza para eles e para outros. (ALLENDER, 1999:30)
Verificamos na pesquisa que muitas pessoas reconhecem que acabam se revitimando. Algumas declararam-se autoras dos mesmos ou outros abusos que sofreram e outras declararam que as violências sofridas fizeram com que elas se tornassem auxiliadoras/ajudadoras de pessoas abusadas.
O que as pessoas parecem não se dar conta é de que as violências ocorridas no âmbito familiar e no grupo social mais próximo a elas,
(...) parece ser resultado de uma combinação de fatores dos indivíduos envolvidos, da família, da comunidade e da sociedade. (...) A violência doméstica ocorre quando a família é influenciada por fatores negativos que servem para aumentar o risco de abuso ou negligência, enquanto que, simultaneamente, é carente de fatores positivos que poderiam impedir as situações de violência doméstica. (FAHLBERG, 1996:2)
Também comenta Victória Fahlberg em seus escritos que, a visão sociológica aponta para a existência de condições sociais que favorecem o estresse familiar, até mesmo práticas culturais que incentivam a violência. Isto foi muito claro para nós quando algumas pessoas disseram que apanharam dos seus pais porque eles estavam preocupados com a sua educação. É possível que estas pessoas tenham recebido uma sansão física não tão intensa, como já mencionamos quando comentamos à respeito das gradações dos abusos físicos, anteriormente. Uma pessoa que recebe um tapa pode ser diferente daquela que recebe uma surra que lhe deixa marcas no corpo.
“(...) parece que a maneira mais adequada e útil de entender como e porque ocorre o abuso de crianças, é pensar em termos de como os diversos sistemas influenciam o outro”. (FAHLBERG, 1996:4)
Estas questões merecem um estudo de profissionais de diversas áreas, com diferentes visões, pois os abuso de crianças e adolescentes são multicausais, portanto, não podemos dissociar a violência doméstica da violência social. A violência cujos autores são pessoas da família também é uma questão de cunho social.
VII - CONCLUSÃO
Propomo-nos a introduzir estudos sobre este tema e chegamos à conclusão de que para cada violência que pesquisamos muito se tem a estudar.
Chamou-nos a atenção que os grupos que mais citaram ter sofrido violências na infância e/ou adolescência foi o da dependência química e homossexualidade.
As pessoas, realmente, costumam sofrer violências na infância e/ou adolescência e estas parecem refletir na vida adulta de muitas.
As promessas que as pessoas fizeram diante das violências sugerem relação com as dificuldades delas na vida adulta.
As violências parecem interferir, marcar a vida adulta mais ou menos, conforme a leitura individual de cada pessoa, na época em que sofreu a violência, o que dependerá das características individuais, bem como do contexto grupal e social em que a pessoa vive/viveu.
VIII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAPIA. Coleção Garantias de Direito:
Nº 1. Maus Tratos Contra Crianças e Adolescentes:Proteção e Prevenção. - Guia de Orientação para Educadores. Autores & Agentes & Associados, 2a. ed, Petrópolis, RJ, 1997.
Nº 2. Maus Tratos Contra Crianças e Adolescentes: Proteção e Prevenção. - Guia de Orientação para Profissionais de Saúde. Autores & Agentes & Associados, 2a. ed, Petrópolis, RJ, 1997.
Nº 3. Abuso Sexual: Por que?! Quem?!, O Que?! - Mitos e Realidade. Autores & Agentes & Associados, 1a. ed, Petrópolis, RJ, 1997.
ALLENDER, Dan B. Lágrimas Secretas.Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 1999.
ALMEIDA, João Ferreira de – A Bíblia Sagrada. Copyright da versão Revista e Corrigida no Brasil – 1969, SBB, Barueri, SP, 2000.
ASSIS, Simone Gonçalves e Constantino, Patrícia. Filhas do Mundo: Infração Juvenil Feminina no Rio de Janeiro. Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, 2000.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, promulgada em 5 de outubro de 1988. Editora Saraiva, 18º edição, atualizada e ampliada, 1998.
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