Algumas palavras sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos-3
Muito se tem dito sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos, ou PNDH-3. Talvez a única unanimidade seja que ele é polêmico. Uma breve introdução sobre o PNDH-3 se faz necessário para que se possa criar opinião própria.
O Plano Nacional de Direitos Humanos tem o número três ao fim de sua sigla porque é a terceira versão desse documento. As duas primeiras versões do plano foram escritas em 1996 e em 2002. Deve-se notar que ambos tiveram sua feitura no governo anterior. Como esse artigo visa a discorrer sobre o presente plano, serão deixados de lado os anteriores e não serão feitas aqui comparações entre os três.
O leitor do PNDH-3 pode, ao ler o documento, ter a impressão de que ele foi elaborado em um CA (Centro Acadêmico, lugar localizado dentro das universidades onde os estudantes se reúnem entre uma aula e outra para conversar ou passar momentos de lazer) de Antropologia ou de Sociologia e que nessa brincadeira os estudantes de Direito foram barrados na porta de entrada. Essa sensação se dá por dois motivos: primeiro porque estão presentes termos claramente pós-modernos e segundo por que os direitos da primeira geração são flagrantemente violados.
As ciências sociais como História, Antropologia, Sociologia, Ciência Política, sempre se mostraram sujeitas a modismos intelectuais. Isso é normal e pode ser, como geralmente é, saudável para se manter um bom nível nos debates acadêmicos. Muitas vezes os políticos brasileiros pegaram carona nessas correntes. Lembremos, apenas como ilustração, do papel do positivismo na proclamação da República e do marxismo na crítica à ditadura militar. O problema é quando uma corrente é vista como verdade absoluta por seus defensores e estes querem punir os dissidentes por pensar diferente. Quando isso acontece deve-se recorrer aos direitos garantidos pela constituição no tocante a proteção dos cidadãos contra o Estado, os assim chamados direitos da primeira geração. Isso será visto mais adiante.
O modismo intelectual que o PNDH-3 segue é o da pós-modernidade. A pós-modernidade pode ter várias definições, mas apenas para se ter uma idéia do que é, faremos uma brevíssima e despretensiosa explicação do que ela é nas ciências sociais. A pós-modernidade é uma corrente que procura desconstruir as certezas científicas, e elevando o relativismo em detrimento dos dogmas. Ou seja, não existem mais verdades, tudo é relativo. Outra característica que aqui nos interessa no pensamento pós-moderno é que as crenças e tradições dos grupos majoritários são execrados, enquanto que tudo o que vem de “minorias” como mulheres, presidiários, homossexuais, quebradeiras de coco, lavadeiras do Jequitinhonha e outros são vistos como as mais belas manifestações culturais do mundo.
Para confirmar o exposto acima, basta verificar a assinatura a forma como o PNDH-3 foi escrito. O texto está repleto de termos como “populações em estado de vulnerabilidade”, “heteronormatividade”, “desconstrução”, “diversidade”. Os modismos passam, mas esse documento fica e esse é o problema de um assunto tão importante ser tratado com se fosse um tema de dissertação de final de curso.
O que há de grave no PNDH-3 não é a forma como ele foi escrita, mas a cega adesão a uma escola acadêmica em detrimento dos direitos clássicos de liberdade de pensamento, de expressão e religiosa. O maior problema não é que o Estado escolheu proteger certos cidadãos em detrimento de outros (embora isso em si já seja um problema), mas sim que esse mesmo Estado se propõe a perseguir a maioria da população para favorecer as minorias. Como isso foi feito?
Passemos agora a enumerar violações aos direitos da primeira geração, como liberdade de pensamento, expressão e religiosa.
Na página 99 do texto existe uma expressão que demonstra a vontade desse governo de intervir na mente do cidadão ditando como este deve pensar. Trata-se do que aqui é chamado de “desconstrução da heteronormatividade”. Em outras palavras, acabar com a idéia de que apenas o heterossexual é normal. Isso significa que o Estado vai intervir no modo como a família de hoje é concebida pela maior parte das pessoas. Não cabe ao Estado ditar costumes ou dizer o que é moralmente correto com relação a comportamento sexual. Cabe a sociedade decidir o que é certo, estando ela certa ou não. Isso se chama liberdade. Apenas Estados totalitários ditam o que pensar e devemos lembrar que existiram (e ainda existem) Estados totalitários de direita e de esquerda, como o nazista e o socialista. A ditadura e a morte da liberdade de expressão não são monopólio da direita e podem acontecer com governos esquerdistas também, vide Stalin.
Antes ainda, na página 98, já havia uma diretriz (a) que aludia a preferência por certos comportamentos sociais: “promoção de uma cultura que respeita a livre orientação sexual.” Em primeiro lugar, não é da alçada do Estado promover cultura disso ou daquilo. Todos sabemos que vários grupos religiosos são contrários a práticas homossexuais. Se esses grupos estão certos ou errados não é da conta de ninguém e nem mesmo do Estado. O que é da conta do Estado é promover um ambiente de liberdade onde os grupos GLBTT e as Igrejas possam discutir suas opiniões e convencer ou não as pessoas, como indivíduos a aceitar ou não tais práticas. Isso sim é democracia. Imaginemos como seria se essa diretriz fosse levada adiante. A maioria das Igrejas cristãs no Brasil são contra o homossexualismo por considerar tal comportamento como pecaminoso, assim como o adultério, o assassinato e o roubo, por exemplo. O Estado obrigaria essas Igrejas a abrir uma exceção a sua crenças? E a liberdade de pensamento? E a liberdade de expressão? E a liberdade de culto? Se um Estado totalitário perseguisse os homossexuais, punisse as pessoas por suas escolhas sexuais deveria ser combatido por todos por ser inimigo da liberdade. Que o Estado não persiga ninguém em nome da moralidade, mas que ele também não persiga ninguém em nome de sua verdade. Ao Estado não cabe revelar e disseminar a “verdade”, pois essas verdades que os Estados totalitários defendem sempre se mostram modismos. Apenas a liberdade se mostrou sólida como diretriz de um Estado democrático.
Já que se está falando de liberdade, e, sobretudo de liberdade religiosa, é oportuno falar aqui sobre as concepções do PNDH-3 sobre liberdade religiosa. No “Objetivo VI: Respeito às diferentes crenças, liberdade de culto e garantia da laicidade do Estado”, mais uma vez se mostra presente a discriminação do presente governo, que demonstra mais uma vez a simpatia de um grupo em detrimento de outros. Deixemos que o próprio texto do documento demonstre:
“Ações programáticas:
Instituir mecanismos que assegurem o livre exercício das diversas práticas religiosas, assegurando a proteção do seu espaço físico e coibindo manifestações de intolerância religiosa.
Responsáveis: Ministério da Justiça; Ministério da Cultura; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Parceiro: Fundação Cultural Palmares (FCP).”
A pergunta é simples: por que o único parceiro escolhido aqui foi a Fundação Cultural Palmares que, todos sabem, ao promover a cultura afro-brasileira, promove as religiões afro-brasileiras? A recomendação da ação programática “c)”, “recomenda-se o respeito à laicidade pelos poderes Judiciário e Legislativo [...]” deve ser obedecida apenas pelos cristãos ou também pelos outros grupos religiosos incluindo os minoritários? Se o Estado é laico ele é laico para todos e não podem ser abertas exceções para religiões que esse governo e que os cientistas sociais simpatizem mais. A lei é igual para todos e todos são iguais perante a lei. Por que Kardecistas, Evangélicos e Católicos, por exemplo, não tem representantes na fiscalização da liberdade religiosa? Por que o PNDH-3 está nitidamente restringindo esse direito a quem pertence sua simpatia. Ao Estado não cabe promover religião. Nem mesmo sob a égide da cultura. O que cabe é proteger todas as religiões, sem exceção.
Lembremos que os afro-descendentes devem sempre ser alvo do mais sincero respeito do povo brasileiro por causa de sua incomensurável contribuição na formação da sociedade brasileira, a despeito de toda a ingratidão de muitos dos brasileiros. Não se busca aqui desrespeitar a religião A, B ou C, mas pedir ao Estado que trate a todas com o devido respeito e laicidade que caracterizam os princípios da República brasileira.
Rios de tinta poderiam ser escritos sobre os defeitos, erros, vícios e inconstitucionalidades do PNDH-3, mas em virtude do tamanho desse artigo será tratado apenas mais um ponto. A exploração sexual.
O PNDH-3 foi muito feliz quando prometeu combater a pedofilia e o turismo sexual, mas apresentou uma atitude ambígua com relação à prostituição. Retornemos ao texto, mais precisamente na recomendação da ação programática “h” do objetivo I da Diretriz 4 do eixo orientador II, página 38:
“Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios ações de combate da exploração sexual das mulheres no turismo sexual.”
A exploração da mulher deve ser combatida apenas no turismo sexual, ou seja, a prostituição é degradante para a mulher apenas quando os clientes forem estrangeiros. Isso parece absurdo, mas é o que se depreende do texto do documento quando mais tarde encontramos “Garantir os direitos trabalhistas e previdenciários de profissionais do sexo por meio da regulamentação de sua profissão”. É muito interessante notar que no turismo sexual o PNDH-3 planeja desestimular essa profissão degradante, mas no dia-a-dia o mesmo documento planeja dar dignidade a essas mulheres com direitos trabalhistas. Podemos, ociosamente, pensar no que seriam esses direitos trabalhistas. Talvez se o senhor cafetão seja obrigado a pagar décimo terceiro e férias remuneradas a suas “profissionais do sexo” ou talvez seja apenas a felicidade que uma mulher tem ao pegar em sua carteira de trabalho e ver a designação: Prostituta, ou, já que os pós-modernos gostam tanto de eufemismos: profissionais do sexo. Não, não tiremos essas mulheres das ruas, deixemo-las elas lá, ao não ser quando os clientes forem estrangeiros, aí é degradante, porque é turismo sexual.
De tudo isso o que podemos entender do PNDH-3? Que foi um documento elaborado por intelectuais de extrema esquerda, chamados genericamente de libertários e que pregam os dogmas da pós-modernidade, querendo transformar o Estado brasileiro em um Leviatã capaz de qualquer coisa, inclusive de guiar a cultura de toda uma nação e de penetrar no íntimo do indivíduo para ditar-lhe normas de conduta e de pensamento. Percebe-se também que enquanto os cientistas sociais tiveram papel de destaque na manufatura do PNDH-3, os juristas foram deixados de lado. Isso é percebido quando se nota que sob o ponto de vista do direito a execução de tal plano é inviável pelo menos para aqueles que levam em conta tudo o que foi alcançado pela Revolução Francesa em termos de liberdade do indivíduo.
Esse artigo não trata de defender os ideais da família, o que em si já seria louvável, mas os ideais da democracia. O próprio PNDH-3 na página 15, no prefácio, diz que “sempre que um direito é violado, rompe-se a unidade e todos os demais direitos são comprometidos”. Lembremos então quando no artigo 5 da Constituição no inciso IV o legislador apregoa que “ É inviolável a liberdade de consciência e de crença[...]”. A ação desses grupos libertários radicais querendo moldar a sociedade através da lei e da presença maciça do Estado na vida civil e nas consciências em nome do que eles consideram ser a verdade é, no campo moral, hipócrita, por que eles mesmo dizem não existir a verdade, mas agem como se existisse e é, no campo jurídico, inconstitucional, por que combate valores e crenças da maior parte da população em nome da reparação as minorias e para isso fere os princípios da liberdade. O que está em jogo aqui são os pilares da democracia e o direito a liberdade. Saiam os cientistas sociais da sala e voltem os magistrados, a constituição corre perigo.
Gustavo Santos
Historiador, evangélico e militante de movimentos em defesa da vida e da família
Email: gustavoreforma@hotmail.com
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